terça-feira, 31 de agosto de 2010

«Ponga los dos!»

Os conhecimentos técnicos, a experiência e a perspicácia colocadas por Jorge Jesus, na escolha dos homens para a defender a baliza benfiquista, parecem não ter sido os mais adequados nem estão a dar os “frutos” desejados. De facto, quando se privilegia a altura do “keeper”, em detrimento da colocação entre os postes, da rapidez de reflexos, da determinação nos cruzamentos, do tempo de saída da baliza, da estrutura psicológica para suportar a camisola de um grande clube, etc, o risco de falhar na escolha é muito elevado.
Com o parecer do técnico a conceder especial importância à estatura do guarda-redes, a adquirir, o caricato aconteceu e, presentemente, o Benfica possui no seu plantel dois guardiões (Júlio César e Roberto) com altura bastante acima do 1,80 m, mas com evidentes lacunas técnicas em determinadas áreas e, provavelmente, difíceis de colmatar.
No encontro realizado com o Vitória de Setúbal, respeitante à 3ª jornada da Liga Zon Sagres, e depois uma série de exibições menos conseguidas de Roberto, Jorge Jesus concedeu a titularidade da baliza encarnada ao brasileiro Júlio César.
Contudo a meio da primeira parte Júlio César, a exibir uma total inaptidão para o jogo de pés, quis adornar um lance, baralhou-se e do desentendimento entre Maxi Pereira e o guardião brasileiro surgiu um penalty, que originou a expulsão deste e implicou o regresso à baliza do mal afamado Roberto. As contingências do jogo obrigaram o espanhol a entrar em campo, mas o penalty defendido não faz dele melhor guarda-redes e as exibições pouco conseguidas, nos últimos tempos, não vão ser esquecidas tão depressa.
Quando Roberto saltou do banco, chamado inesperadamente ao jogo, para substituir um Júlio César com características, qualidades e defeitos semelhantes, para alguns dos que estavam a presenciar o encontro, veio à memoria um episódio bastas vezes divulgado pelos órgãos de comunicação desportiva e passado na tristonha tarde, para o futebol português, do dia de 11 de Março de 1934.
Tudo aconteceu em Madrid, no Estádio de Chamartin, onde a Selecção Nacional, de futebol foi derrotada pela Espanha por 9-0.
Partida importante, de apuramento para o Campeonato do Mundo, onde nem faltou a presença do Presidente da República espanhola, Alcalá Zamora, que assistiu ao desafio na tribuna do estádio.
Ribeiro dos Reis, o seleccionador nacional, não acompanhou a equipa, na viagem a Espanha porque a mãe adoecera gravemente. Acabou por ser Ricardo Ornelas, à última da hora, a ocupar o seu lugar, mas com as tácticas combinadas antes da partida.
Com o resultado já em 5-0, Soares dos Reis, então guardião do F. C. Porto simulou uma lesão e foi substituído na baliza pelo benfiquista Augusto Amaro, nas bancadas os espanhóis gritavam, provocantes, em alucinante chacota - «Ponga los dos, ponga los dos...»
Como os tempos eram outros, depois de ter perdido numa goleada humilhante, Ribeiro dos Reis ganhou horror ao cargo e nunca mais quis ser seleccionador.
Cena caricata aconteceu no dia seguinte ao encontro, onde um jogador português, ao ser interpelado pelo criado do hotel castelhano com o habitual «Desayano ?», respondeu: - Des a yuno, não. Nove a zero!

sábado, 14 de agosto de 2010

O Deslumbrado

A contratação de Jorge Jesus, no inicio da época de 2009-2010, como responsável máximo da equipa de futebol do Benfica, proporcionou ao técnico não só uma melhoria significativa das suas condições de trabalho, mas também uma responsabilização muito acima dos níveis a que estava habituado, nos clubes por onde tinha passado.
Fascinado pela oportunidade concedida, de treinar um grande clube, o técnico começou, como é habitual, por exigir a aquisição de alguns atletas que lhe oferecessem garantias de implementação do sistema de jogo, preferencialmente, utilizado (losango). Assim, começam a chegar à Luz futebolistas da confiança do treinador mas de duvidosa qualidade. Se é certo que alguns foram contratados à revelia do técnico, em fase anterior à sua chegada, a maioria foram-no com a sua total conivência e aconselhamento. Estranha-se que, jogadores como Shaffer, Patric, Kerrison, Júlio César, Weldon, Felipe Meneses, César Peixoto e Eder Luís, só para citar alguns, com poucas condições para jogar num clube com as aspirações do Benfica, não tenham sido objecto de uma cuidadosa observação e uma detalhada análise das suas reais potencialidades, quer por parte da equipa técnica quer por parte dos dirigentes encarnados. Como era de esperar os desempenhos, de alguns futebolistas, não foram os mais conseguidos, mas como o clube encarnado conseguiu o titulo máximo do futebol nacional, as duvidosas escolhas e as desastrosas opções acabaram por se diluir à medida que os resultados positivos iam sendo alcançados.
Um título de campeão, pouca habituação ao êxito, possuidor de uma cultura débil com evidentes tiques de “novo riquismo” encontravam-se reunidas as condições para que um fácil deslumbramento se apoderasse de Jorge Jesus. Também as prestações de Fábio Coentrão, ao longo da temporada, que levaram o técnico encarnado a chamar a si os louros da transformação de um mediano médio-ala, num excelente defesa-esquerdo, contribuíram para o encantamento.
Iniciada a pré-temporada e consumado o abandono de Di Maria, elemento fundamental na dinâmica imposta na interpretação do “losango”, tornava-se imperioso “ir ao mercado” tentar colmatar a saída de tão importante elemento. Mais uma vez, a perspicácia e o sentido de análise das potencialidaes, de eventuais candidatos, não foram os mais eficazes. De facto, Gaitan está longe de preencher a vaga deixada por Di Maria, uma vez que, o argentino oriundo do Boca Juniors se tem revelado, nos poucos jogos já disputados, um esquerdino de bom recorte técnico mas com evidentes dificuldades de adaptação ao lugar de médio-ala-esquerdo, com as suas qualidades a definem-no como um elemento vocacionado para desempenhar o papel de nº 10.
Depois de cometido mais um “erro de casting”, e nem convém abordar a problemática dos guarda-redes Quim, Júlio César e Roberto, Jorge Jesus, presentemente, terá de recorrer a três soluções “em carteira”:
- Dar a mão à palmatória e insiste com os dirigentes no sentido de rectificar algumas das asneiras cometidas, abrindo mais uma vez os “cordões à bolsa” para a aquisição de um ala/extremo, com características idênticas ás evidenciadas por Di Maria;
- Alterar o sistema táctico para 4x3x3, “mandando às ortigas” o tão mecanizado losango, que tão bons resultados proporcionou, na época transacta, mantendo Fábio Coentrão na posição de defesa-esquerdo;
- Ou, decidir trabalhar o meio-campo com Fábio na ala esquerda e César Peixoto a lateral-esquerdo, solução que retardou o “aparecimento” do vila-condense, e que retira dinâmica e agressividade a um jogador que necessita de espaço para “embalar” até à linha de fundo.
Curioso verificar que, após o técnico encarnado se ter auto-elogiado pela “transformação” operada, em seis meses, no rendimento de Fábio Coentrão classificando-o, inclusive, como o melhor defesa esquerdo da Europa, veja-se na contingência, por falta de visão ou ausência de perspicácia na escolha de novos elementos, de fazer regressar o esquerdino ao seu antigo posto de médio-ala que, em épocas não muito distantes, nunca o projectou para alto nível exibicional.
A derrota na final da Supertaça frente ao FC Porto terá sido “um dos males que vêm por bem”, ao evidenciar algumas das carências existentes no plantel encarnado e que os seus responsáveis máximos não poderão ignorar. Por outro lado, está a contribuir para “fazer regressar Jesus à Terra”, tornando-o mais cuidadoso no aconselhamento de novos futebolistas, afastando-o da arrogância descabida que, ultimamente, o tem caracterizado apontando-lhe o caminho da humildade, tão necessária nas criaturas com presente, mas de passado pouco mediático.