sábado, 4 de setembro de 2010

A minha homenagem

Era habitual, nos bairros típicos duma Lisboa de meados do século passado, os garotos serem apelidados, pelos seus mais directos companheiros de brincadeiras, com alcunhas, por vezes depreciativas, geralmente derivadas de certa particularidade física ou moral. Praticamente nado e criado no castiço Bairro de Alcântara, onde me mantive até quase adulto, não poderia fugir aquele estigma. Assim, e logo que atingi a idade mínima para dividir os jogos e divertimentos de rua com rapazes da minha idade, fui alcunhado de “kilociclos”, fruto da ligeireza e velocidade de pernas evidenciadas por um garoto que pesava alguns quilos menos que os principais competidores.
O chegar dos anos e o aspecto de “espigadote” trouxeram mais alguns sobrenomes, e a referência à garrafa da “Canadá Dry” não foi esquecida.
Adolescente, longilíneo, sempre pronto para um bom “jogo de trapeira” e com forte propensão para os “golos de cabeça”, a entrada no Liceu D. João de Castro iria coincidir com uma alcunha que me iria marcar para o resto da vida. Simplesmente, TORRES.
Estávamos no início da década de sessenta do século passado e no Benfica começava a despontar, não só o herdeiro natural de José Águas mas, principalmente, um dos maiores goleadores do futebol português, a quem Eusébio “deve” muitos dos golos conseguidos, proporcionados pelos “amortis de cabeça” do bom gigante, José Torres.
Mais tarde, princípios dos anos oitenta, na casa de um amigo comum tive a felicidade de conhecer o ex-jogador. Trocámos algumas palavras de circunstância e abordámos alguns temas futebolísticos de então. Também não deixei passar a oportunidade de referir a importância que o seu apelido teve no meu percurso de vida, tendo ele acrescentado, com naturalidade, que com o seu filho mais velho acontecia situação semelhante, uma vez que, na escola que frequentava, era conhecido pelo “Chico Gordo”, goleador da época.
Vai hoje a enterrar um homem bom, simples, brincalhão, com sentido de humor, gigante futebolista e grande glória do futebol português, que jamais esquecerei.
É com orgulho que, actualmente, após mais de quarenta anos passados do tempo liceal, cruzando-me com colegas dos tempos passados, ainda sou apelidado de Torres em virtude de desconhecerem que tal epíteto não consta do meu bilhete de identidade.

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