sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Incongruências técnicas

Não poderia ter sido mais desastrada a aventura de Gilberto Madail, em Madrid, com o objectivo de convidar José Mourinho para treinar a selecção portuguesa, nos dois encontros a realizar frente à Dinamarca e Islândia, no próximo mês de Outubro.
Com uma proposta tão inesperada como absurda, envolvendo, na polémica, o técnico e os dirigentes do Real Madrid, Madail atirou com o barro à parede e cumpriu a sua obrigação ao convidar o “melhor treinador do mundo”, só que lançou uma confusão tremenda junto das hostes madrilenas e deixou em Espanha a imagem de instabilidade que se vive na Federação.
Sabendo que, à partida, a missão era completamente impossível, a caricata e descabida atitude de Gilberto Madail teve, provavelmente, como principal finalidade atenuar a fraca imagem deixada pela selecção, na África do Sul, libertar-se das criticas deixadas na resolução do “caso Queiroz” e proporcionar um entreabrir de portas para uma, eventual, recandidatura à presidência da F.P.F.
Para além do desgaste sofrido por Mourinho que, inteligentemente, não recusou o convite e soube colocar o odioso da decisão final, nos dirigentes do clube de Santiago de Bernabeu, sabia-se, antecipadamente, que o Real Madrid, clube de desmesuráveis ambições, não iria disponibilizar, de ânimo leve, um técnico que, pago a peso de ouro, deveria, em qualquer circunstância, estar totalmente envolvido e concentrado no clube.
Quando Mourinho, conhecendo os exigentes dirigentes do clube que representa, se disponibilizou para aceitar de bom agrado a solução preconizada, estava a proceder de forma semelhante à do presidente da Federação, uma vez que, sabia que a fantasia delineada não tinha “pernas para andar”. Ao aceitar o convite, estava somente a dar cumprimento à tese desenvolvida, quando abandonou o Chesea, de estar sempre disponível para “dar uma mãozinha” à selecção portuguesa, em caso de extrema necessidade e urgência.
Por outro lado, e como o sucesso nunca é garantido, Mourinho com as afirmações proferidas ganhou créditos não ao nível de Madail, que deverá estar de saída, mas dos adeptos portugueses, ao ponto de se oferecer para treinar o seleccionado nacional sem custos.
Por outro lado, estranha-se a posição de Mourinho que, também não ficou bem na fotografia quando, após a negativa de Floriano Perez em o libertar, declara: «Não entendo como o Real Madrid não me deixa treinar a Selecção Nacional, quando em Madrid não tenho quase nada para fazer, pois vou estar aqui dez dias de férias».
Tais declarações, certamente, terão causado mal-estar nos dirigentes e apoiantes do clube madrileno, não só porque Mourinho é o treinador mais bem pago do mundo, mas porque deverá estar, exclusivamente, concentrado nas aspirações do Real Madrid.
O próprio Mourinho já referiu, em diversas ocasiões, que um técnico de futebol de alto gabarito, deverá ocupar os “tempos mortos”, quando afastado do treinamento, dos jogos e, logicamente, dos jogadores, a visionar vídeos de futuros adversários, a estudar estratégias para os próximos encontros, a observar as camadas jovens da “cantera” na tentativa de descoberta de futuros craques ou preocupado em arranjar soluções para levar de vencida os seus opositores.
Com aura de vencedor, gerindo a carreira com inteligência, é difícil de entender o passo arriscado de José Mourinho, ao disponibilizar-se para aceitar e discutir a proposta de Madail, pois sempre fez passar a mensagem de que o sucesso depende do trabalho, da competência, da capacidade mobilizadora, do envolvimento e cumplicidades com os futebolistas, sendo, por isso, difícil de entender como se poderia treinar uma selecção à distância.
Também difícil de compreender são as posições assumidas, no caso concreto do convite endereçado a Mourinho, por alguns técnicos credenciados do futebol português, que defenderam a presença do treinador do Real Madrid, em part-time, na orientação da equipa nacional.
Tudo isto não passaria de mais uma aberração do futebol português se não contrariasse e colocasse em causa algumas das pseudo-teorias que a maioria dos treinadores portugueses têm vindo a desenvolver, ao longo dos tempos.
De facto, alguns dos treinadores que se manifestaram concordantes com a presença de Mourinho à frente da Selecção, são os mesmos que, quando chegam a um novo clube e os resultados positivos tardam em aparecer privilegiam o argumento da “falta de tempo”, para avaliar as características físico-técnicas dos futebolistas ao seu dispor, a necessidade de impor novas metodologias de treino ou a identificação das carências existentes no plantel, justificando, assim, o retardar dos êxitos desportivos que os adeptos anseiam.
Assim, a opção de trazer Mourinho para comandar a selecção nacional em, somente, dois encontros a disputar em 10 dias, contraria frontalmente todas as teses que os técnicos, treinadores e “experts” em futebol científico têm vindo a implementar ao longo das últimas décadas e que, tão ridiculamente, têm valorizado.
O conhecimento das reais potencialidades técnicas, físicas e mentais dos atletas, tão requerido pelos treinadores, as “rotinas de jogo”, a opção pelo Plano A, B ou C como estratégia técnico-táctica, as “jogadas estudadas”, a “pressão alta”, a definição dos “blocos”, o aperfeiçoamento das transições defesa-ataque, o treino das “bolas paradas”, a análise exaustiva dos adversários e outros termos que os treinadores nacionais utilizam para tornar mais complexo o entendimento futebolístico e valorizar o seu desempenho e capacidades, caiem por base quando aceitam de animo leve a presença de um técnico, mesmo sendo o melhor do mundo, para treinar durante 8 dias, fazer as malas e abalar.
A solução, de recurso, encontrada por Gilberto Madail, para a resolução de todo este imbróglio, foi apostar em Paulo Bento, o técnico que estava mais à mão. Quem assina um contrato com Carlos Queiroz, por quatro anos, pelos os montantes conhecidos, que quer fazer acreditar que traria José Mourinho com facilidade, também consegue desiludir quem, neste momento, esperava a contratação de um seleccionador mais bem disposto, mais extrovertido, menos conflituoso, menos rígido tacticamente e que vai sentir dificuldades em “encaixar” os flanqueadores, Nani, Quaresma e……Cristiano Ronaldo, no seu “fastidioso losango”.

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